quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ética e filosofia do Karate

Além das mudanças para facilitar a divulgação do caratê, os mestres do começo do século XX (mormente Funakoshi, que aproveitou também esse aspecto da cultura japonesa, relevante naquele momento) foram eficazes em imprimir solenidade aos treinamentos, respeito para com mestres, instrutores e praticantes, de forma mútua, o que realça o carácter de formação de bons indivíduos. Isto, contudo, sem esquecer que naturalmente no processo de formação da arte marcial desenvolvia-se um paradigma para as condutas dentre e fora do sítio de treino. Neste ambiente, alguns dos mestres eram reconhecidos por sua moral e trabalhos nesse sentido.
O treinamento tradicional de caratê deve começar e terminar com um breve momento de meditação, mokuso, cuja finalidade é preparar o carateca para os ensinamentos que receberá e, depois, refletir sobre os mesmos. A cada momento ou exercício faz-se saudação no começo e no fim, sendo costume difundido em vários dojôs fazer uma reverência ao entrar e sair do sítio.
Esse carácter mais abrangente do caratê é bem visível pela partícula "dō" () de seu nome. Tais princípios, posto que a grande mudança filosófica ocorrida nas artes marciais japonesas possa ser localizada na transição do século XIX para o XX, possuem suas raízes fincadas bem mais no passado.
Historicamente, foi o monge Peichin Takahara quem primeiro a descreve a filosofia do "dō", do caminho de evolução que são as artes marciais, em sintonia com os ensinamentos do caratê. Ainda no século XVII, ele descreveu as três vertentes que, combinadas, culminam na evolução da pessoa: ijo, fo e katsu.

  • Ijo () pode ser expresso em atitudes pró-ativas em favor de terceiro. Também se diz que a forma ijo respousa na compaixão, humildade e no recato.
  • Fo (, princípio) é o compromisso, isto é, a dedicação que alguém tem para com algo; no caso, o afinco com que um carateca treina os conhecimentos ensinados, a seriedade e devoção que nutre, além, para com seu mestre e colegas.
  • Katsu (, observância) reflete-se no conhecimento, na compreensão que a arte marcial possui, mas compreendida nos mínimos detalhes e em que momentos, da vida ou de um enfrentamento real, farão sentido.
O conceito do caminho evolutivo que é a prática do caratê pode ser achado em todas as artes marciais japonesas, tratando-se uma leitura japonesa do tao. Como caminho, por conseguinte, deve ser interpretado de forma bem abrangente, para a compreensão de um ciclo de vida. De outra forma, uma vez que o ciclo da vida é já um caminho pré-determinado, um sistema no qual todas as formas e seres estão inter-relacionados, mister haver a consciência de que existe uma relação de interdependência de todas as coisas e situações: o aprendizado não seria mérito pessoal mas o resultado da relação voluntária do praticante com o ambiente e com todos os seres.
Nesta cércea, o caratê se insere como uma das disciplinas do Bushido, o código de ética do guerreiro. Assim, o caratê é muito mais do que uma forma de luta (o "dō" rejeita esta visão limitada), é um modo de vida. Os mestres prolataram um conceito, o que de nesta arte marcial, além de não existir atitude agressiva, em caso de embate, nunca o carateca faria o primeiro movimento:

空手に先手無し
Karate ni sente nashi
No caratê não há primeiro movimento (ataque)



Sob duas ópticas capitais e pragmáticas, ressai o escopo pacífico da modalidade. Primeiro, caso se enfrentem dois caratecas, nenhum deles tomará atitude ofensiva, pelo que o combate nunca existirá. Depois, caso o enfrentamento se desse contra alguém que não é um carateca, com a atitude pacífica ou desestimularia o ataque ou, se esse existir, poder-se-ia usar da energia despendida pelo contendor para resolver a demanda. Trata-se destarte de uma abordagem complementar à do shinbu.

 

Dojo kun

 

A par dos princípios básicos elencados e tendo em foco o Bushido, o mestre Kanga Sakukawa elaborou um código, o Dojo kun, para servir de norte à prática do caratê.
Tal código é composto por cinco regras:
  1. Esforçar-se para a formação do caráter.
  2. Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão.
  3. Criar o intuito do esforço.
  4. Respeito acima de tudo.
  5. Conter o espírito de agressão.

 

Tode jukun

 

Sensei Anko Itosu, quando se dirigiu aos administradores japoneses, no fito de divulgar o caratê por todo o Japão, referiu-se à sua arte marcial em forma de princípios que poderiam ser facilmente compreendidos. Assim, tal conjunto de princípios ficou conhecido como Tode jukun, ou os Dez Princípios do Tode.
  1. O caratê não é praticado apenas para o benefício individual, pode ser usado para proteger sua família e seu mestre...
  2. O propósito do caratê é tornar os músculos e ossos duros como rochas e usar as mãos e pernas como lanças…
  3. O caratê não pode ser aprendido rapidamente…
  4. Em caratê, treinamento das mãos e dos pés é importante...
  5. Quando praticar as bases do caratê certifique-se de manter as costas eretas...
  6. Pratique cada uma das técnicas do caratê repetidamente...
  7. Vós deveis decidir se o caratê é para saúde ou para auxiliar nos deveres.
  8. Quando treinar, faça como se estivesse no campo de batalha...
  9. Se se usar excessivamente sua força no treinamento de caratê isso irá causar a perda de energia..
  10. [...] O caratê auxilia no desenvolvimento de ossos e músculos. Ajuda tanto na digestão quanto na circulação…

 

Niju kun

 

Imbuído pelo conceito do "dô" e a exemplo do que fizeram os mestres do passado, em particular, seu instrutor directo, mestre Sakukawa, Gichin Funakoshi elaborou um código ético, Niju kun, o qual seria difundido em sua escola, mas se acabou por espraiar-se por outros dojôs. O nome significa literalmente as vinte regras:
  1. ...o caratê deve iniciar com saudação e terminar com saudação.
  2. No caratê não existe atitude ofensiva.
  3. O caratê é um apoio da justiça.
  4. Conheça a si próprio antes de julgar os outros.
  5. O espírito é mais importante do que a técnica.
  6. Evitar o descontrole do equilíbrio mental.
  7. Os infortúnios são causados pela negligência.
  8. O caratê não se limita apenas à academia.
  9. O aprendizado do caratê deve ser perseguido durante toda a vida.
  10. O caratê dará frutos quando associado à vida cotidiana.
  11. O caratê é como água quente. Se não receber calor constantemente, esfria.
  12. Não pense em vencer, pense em não ser vencido.
  13. Mude de atitude conforme o adversário.
  14. A luta depende de como se usam os pontos fracos e fortes.
  15. Imagine que os membros de seus adversários são como espadas.
  16. Para cada homem que sai do seu portão, existem milhões de adversários.
  17. No início, os movimentos são artificiais, mas com a evolução tornam-se naturais.
  18. O treino das técnicas deve ser de acordo com o movimento correto (forma original), mas na aplicação torna-se diferente (livre).
  19. Não se esqueça de aplicar corretamente...
  20. Estudar, praticar e aperfeiçoar-se sempre.

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